Divulgamos um texto que esteve a concurso do 3º desafio do concurso promovido pela RBE "Ser Escritor É Cool", na modalidade de texto. Parabéns Letícia Pereira!
Vida como eu te vejo
A vida… como poderei
falar dela? Bem, retrato-a como se eu estivesse numa jangada no meio do oceano,
por vezes sinto-me bem como num lindo dia, que me permite avançar mais em
direção à terra, e, quando finalmente, a avisto, uma grande tempestade
encurrala-me, as correntes marítimas entram em debate entre elas, o vento sopra
agressivamente contra a minha pele, a chuva cai sobre mim tal como os meus
pensamentos mais destrutivos; As ondas elevam-se tal como a minha raiva e a
jangada cada vez mais fica destruída e consumida pela tormenta e dor do mar, a
sua imensidão e intensidade a imporem a sua presença e eu, meramente lá existo.
Seria errado da minha parte dizer que a minha vida se resume os
piores momentos, mas de facto, eu, um ser humano tal como vós, tenho mais
facilidade em lembrar-me do pior, aquilo que me destrói, que me envenena a
alma. Por vezes, dou por mim a pensar se a minha vida fosse diferente, qual
seria a minha visão do mundo, mas não posso ter outra se não a minha. Qual a
razão de querer outra? Já não me chega esta? Seria feliz ou estaria com a mesma
questão? Estaria eu, realmente, satisfeita com ela? Ou pensaria o mesmo que
neste momento?
A minha mente viaja nas colinas do meu ser, pelos altos e
baixos dele, aqueles instantes em que me sinto viva e outros em que sinto que
sempre estive morta por dentro, tal como os gestos de um maestro que controla a
orquestra da minha narrativa, as suas mãos estão em total controlo e a
orquestra tal como os instrumentos o seguem.
Levo a minha mão junto ao coração e a outra à cabeça. Questiono-me
qual deles controla as minhas ações, se as emoções ou a racionalidade, mas acho
que ambos se alternam, apesar de o meu coração se querer reformar do posto e
deixar um testamento em que passa tudo o que tinha para a minha cabeça. Dói
muito, o que já passei e o que imagino passar, não sou capaz de sonhar algo sem
que lá esteja dor, mas se sou o que sou hoje é por ela, ensinou-me muito, que
nem tudo é um lindo dia no mar. Nem sempre avisto terra e que tenho que me
preparar para andar à deriva sozinha por muito tempo, mas além disso que a
minha vida é mesmo assim dolorosa, apesar de ninguém ter dito que seria fácil.
Há um cenário que tenho tido imensas vezes quando
reflito sobre a minha vida, estou a entrar num edifício que parece um hotel,
passo pela receção e entro no elevador e mesmo sem clicar em nada ele começa a
subir, a lista de números parecem intermináveis, as portas do elevador abrem-se
consecutivamente a cada número, um a um e neles outra porta a frente, as dos
quartos, abre-se ao mesmo tempo e em cada quarto reside uma memória marcante e
pormenorizada que minha quer das pessoas envolvidas na minha existência. Tudo
se passa diante dos meus olhos, desde o meu nascimento, os meus primeiros
passos, o meu primeiro “crush”, o meu desgosto amoroso, o meu primeiro
acampamento, bem, praticamente tudo o que fez de mim quem sou, e eu fico fixa
no mesmo espaço a observar tudo. Continuo a subir e cada vez mais perto do fim, até que o elevador para numa última porta,
mas esta não se encontra aberta, vou na sua direção e abro-a encontrando lá
umas escadas em caracol. Subo-as e dou por mim num terraço. Chego-me à beirinha
e ao olhar pra cima vejo as nuvens a deitar raios de luz. Um sentimento de paz
e calma. Pelo contrário, em baixo, avisto fumo tal como das fábricas e salto,
em vez de ir a uma velocidade célere vou quase que a flutuar e entro na camada
de fumo que consigo tocar com os dedos. Quando já me faltam milímetros para
chegar ao pavimento, fecho os olhos e encontro-me no mar, fico lá a pairar, avisto
o pôr-do-sol com as suas cores que invadem o céu e o brilho da água encandeia-me.
Sinto um tentáculo a agarrar o meu pé e arrastar-me com ele, com uma força
firme e deixo-me ir sem me debater, fecho os olhos de novo e agora estou na
parte escura onde residem os animais marinhos assustadores que nadam ao meu redor
com as suas luzes encadeantes, não sinto receio em vez disso fico a observá-los
e admirá-los, até bolhas de ar aparecerem e eu começo a morrer plena, fico
estática de olhos abertos enquanto cores reluzentes refletem-se no meu rosto
que apesar de eu parecer distante, irei gravar na minha alma aquele momento
para sempre.
Vida, serás tu minha ou serei eu tua? Quem tem o controlo, eu
ou tu? Vais comigo ou eu contigo? Quem completa quem? Quando a morte chega e me
quer ocupar a carne, sou eu que te expulso ou tu decides ir embora?
Permaneço no meu canto com mil perguntas para mim e para ti. O
projeto que fizeste tem por aí as respostas espalhadas e cabe-me a mim as encontrar
e as decifrar. No meu entender, as tuas lições são extremamente respeitadas, as
tuas consequências temidas. Para uns, és curta e para outros duradoura, mas
acredito que faz parte do destino que semeias, tanto me ensinas, dás e tiras,
no fundo só esperas de volta um agradecimento e valor de todos. Serei eu
ingrata por te ter? Sim, por vezes, não dou conta a sorte de ainda fazeres
parte de mim ou eu de ti. Estou a fazer bem o meu papel? Era isto que esperavas
ou estou a desiludir-te? Estou a desviar-me da grande estrada que me preparaste?
Espero alcançar o melhor de ti, de me sentir bem contigo,
espero não desiludir a pessoa que sou agora, que já fui e que virei a ser, que
quando olhar para trás esteja orgulhosa e me sinta realizada, não é de facto
predestinado que seja tudo bom ou tudo mau, tem haver equilíbrio, mas para o
que der e vier sei que só permaneço contigo e tu comigo uma vez. Então, quero
que seja infinitamente inesquecível até o teu fim no meu corpo, pois a alma
vive e, enquanto houver alma, tu serás relembrada.
Letícia Pereira, nº 11, 10ºA
Maio de 2023